Agenda. A palavra sagrada para a totalidade dos órgãos de comunicação social portugueses. O desafio maior: cumprir com a agenda. Não interessa se o mesmo jornalista vai estar desde as 9h da manhã até às 9h da noite a seguir um governante. Interessa cobrir a todo e a qualquer custo cada palavra pronunciada pelo Primeiro Ministro, pelo presidente da República, pelo ministro que visitou uma povoação que reivindica por melhores acessos (ainda que a notícia nos media ditos nacionais, acabe por ser o comentário do ministro à polémica do dia).
Por Liliana Carona – CP 5861
Não se procuram histórias diferentes, nem ângulos originais e criativos. Seguem todos no mesmo circo, na luta pela mesmice de declarações que se repetem em todos os órgãos de comunicação. Recentemente o presidente da República visitou as zonas afetadas pelos incêndios de 2022. Uma data bem escolhida, dia 26 de dezembro. Os jornalistas acordam cedo, deixam as suas famílias e pela frente uma agenda cheia de pontos em horários não cumpridos. As diversas linhas editoriais e as respetivas chefias estão longe da geografia e exigem que os jornalistas vão cortando áudios, enviando textos a partir dos carros, e que sigam o presidente. Não podem parar estes pés de microfone.
Sobre a falta de apoios aos pastores, que viram parte do património destruído pelos fogos, pouco ou nada se falou nos media. A notícia do dia foi o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa à polémica da secretária de Estado do Tesouro. E seguimos a caravana. Sem nos darmos conta de que estamos a ser ovelhas de rebanho, sem nos questionarmos, sem nos indignarmos. Um colega partilhava que estava acordado desde as 6h, e que a essa hora tinha saído de Leiria, para onde ainda regressaria nesse mesmo dia, mas depois de passar por Folgosinho e Guarda, onde terminava a agenda, ponderando – Talvez já não vá à Guarda, mas e se há alguma polémica que eu não apanho?
Ao final do dia, estavam cansados, de rosto triste, os jornalistas, ainda que muitos deles adorem fazer agenda. Não é humanamente viável alguém continuar com a mesma energia mental para escrever um texto, após horas de percursos feitos a pé, com o peso do material às costas. Há jornalistas para todos os gostos, os que têm talento para área do crime, os que contam histórias como ninguém, os que sentem na veia o amor à política. Não critico publicamente colegas de profissão. É um código de ética que procuro cumprir. Porque lá diz o provérbio: Só sabe o que se passa no convento quem lá mora. E o título, deste texto, não é um apontar o dedo, mas um apelo à reflexão. A precariedade e o desrespeito pelos direitos laborais parecem estar enraizados na cultura da profissão, de tal maneira, que se conclui com naturalidade: “fazer parte do ofício”. Como se fosse impossível haver um jornalismo ponderado, reflexivo e menos trapalhão e mais humano. Ouvi há dias um fotojornalista comentar que faz tudo para se conseguir manter na profissão, da apanha da azeitona aos vídeos de casamentos e batizados. Não dá para ser de outra maneira, se quer ter pão na mesa.
Os órgãos de comunicação social portugueses não são todos iguais. E existem direções com sensibilidades diferentes, mas continua a faltar, na maioria delas, audácia para pensar fora da caixa. Não sejamos jornalistas ovelhas que seguem cegamente o pastor. Por vezes é preciso lutar para ser a ovelha negra e fazer diferente, e dizer não, quando quem nos pede se esquece de nós.»
Nota: Artigo publicado no site do Sindicato dos Jornalistas de Portugal
Foto: Escolha da responsabilidade do Folha 8